domingo, 19 de dezembro de 2010

San Pedro e o Deserto do Atacama

De fato, amigos, a “imediatidade” e a atualidade da internet não dialogam com uma taurina, assumidamente ruminante de experiências, sentimentos e emoções ...
Ainda perdida em “considerações” sobre o que Francisco de Assis estaria pensando sobre os ricos e opulentos templos construídos em su honor, na linda Salta, e em como os homens podiam (ou podem ainda) acreditar que com dinheiro se compra um lar no céu....
Ou, voltando ainda mais à nossa infância evolutiva, acreditar que los Dioses ficariam felizes (e, conseqüentemente, mais “bem comportados”), se lhes oferecêssemos em sacrifício nossos mais belos e perfeitos descendentes, que o fossem ainda os mais puros, já que os “eleitos” eram também muito jovens.*
Não, as lições aprendidas em Salta ainda não haviam sido “digeridas”... Estavam na “boca do estômago”, muito próximas do coração, ao feitio das emoções violentas, quando, inadvertidamente, adentramos um território totalmente desconhecido, onde – saberíamos logo – quem manda é PACHAMAMA...**
O “arauto” dessa notícia já foi relatado pelo meu cada dia mais companheiro de tudo nessa vida, aqui conhecido pelo nome de Stardust – e veio em forma de frio intenso, medo, sim, sentimento (tátil) de impotência total, seguidos de uma estupefação total, que perdura até agora, e acho que nunca mais nos deixará...
Por mais alguns dias viveríamos sob a conveniência e os humores de PACHAMAMA – mãe sábia, mas também severa; mulher que encanta, mas não se deixa dominar ...
Voltando os pensamentos às lições de Salta, fácil se torna entender o porquê de nós, homenzinhos, dispormos aos seus pés tudo o que tivéssemos de melhor, mais caro, mais bonito...
É como se estivéssemos apenas devolvendo aquilo que nos foi dado por empréstimo, por uma pequena fração de tempo; o tempo de um olhar, de um suspiro, de um deslumbramento.
Então, a porta se fecha, às vezes sem tempo para um “click”, e não sabemos bem se o que vimos era realidade, embora tenhamos certeza de que vimos, tocamos e vivenciamos.
Em nosso íntimo, depois de anos e anos de evolução, sabemos que Pachamama é criatura, como nós o somos...
E que o Criador não quer sacrifícios, nem templos (porque, por mais belos que sejam, não são mais que pálidas tentativas de representar Suas maravilhas)...
Quer que convivamos e nos respeitemos, sem nos destruirmos mutuamente.
Penso que essas certas experiências são inenarráveis (se tenho dificuldade em “convencer” as pessoas de que gosto de andar na “garupa” de uma moto, quanto mais descrever tudo o que vimos, vivemos e sentimos), mas penso também que certas imagens, como dizem, “dizem mais que mil palavras”.
A propósito, são todas do jeitinho que a gente viu, “sem tirar, nem por”, como diria minha querida Vó Geny...
E se assim já são lindas “de morrer”, imagine se nossos recursos não fossem tão limitados...

*(Sobre os “Niños del Llullaillaco”, vejam em http://www.maam.culturasalta.gov.ar/ , pois não pudemos tirar fotos lá).
**Da língua quíchua, Pacha, "universo", "mundo", "tempo", "lugar", e Mama, "mãe", "Mãe Terra") é a deidade máxima dos Andes peruanos, bolivianos, do noroeste argentino e do extremo norte do Chile. (Da Wikipedia)

Sendo assim, atrasados, como de costume, vamos agora tentar descrever um pouco do que vimos na cidade chilena de San Pedro de Atacama e no grande deserto onde está encravada. Nas palavras de Stardust:


O dia seguinte foi dedicado à pesquisa sobre os passeios oferecidos pelas cinco dezenas de agências de turismo autorizadas a operar na cidade... claro que fomos somente a três indicadas pelo hotel e a uma outra por desencargo de consciência. Escolhemos a Cosmos, que nos ofereceu passeios com proposta mais ecológica.

Pelo caminho, algumas fotos da cidade, a singela igreja e seu forro da madeira do cactus (Cardon)




O registro dos aventureiros pela calle atacamena

San Pedro, simples e sofisticada, aborígene e cosmopolita

O primeiro passeio, no dia 27 de novembro de 2010, não foi guiado pela Cosmos; a agência não fazia o que chamou de apenas "transfer" para a Laguna Cejar, indicando-nos um guia local; a laguna é conhecida pela água 50% mais salobra que a do mar, o que nos fazia boiar sem dificuldade; água límpida e muito, mas muito fria mesmo...


Na mesma oportunidade, seguimos para os olhos do deserto (Los Ojos del Desierto), duas piscinas naturais circulares, uma do lado da outra, que remetem à idéia de olhos; como tudo ali é um imenso salar, Salar de Atacama, em alguns pontos a pressão subterrânea faz brotar a água... fria, muito fria; como já estávamos molhados, tentamos um mergulho... só não deu para sair na foto


Estávamos lá, e lá é tudo um grande salar


Esse passeio começava depois das 15 horas e previa a visita a três lagunas, a Cejar, os Ojos e a última, no final do dia, chamada Laguna Tebinquiche, rasa... muito rasa, com pouco mais de 10 centímetros de profundidade; o sal era abundante; a cor azul da laguna nos confundia: seria mesmo azul ou apenas refletiria o céu






No final da tarde, à espera do por do sol, brindamos, com piscosouer oferecido pelo guia turístico, a oportunidade de estarmos ali






No dia 28 de dezembro de 2010, às 3 horas da matina, estávamos de pé aguardando a chegada da van da agência Cosmo, que nos levaria até o famoso sítio geológico chamado de "Geiseres del Tatio"; a promessa era de sermos os primeiros; claro que a agência atrasou, mas, para compensar, pegamos uma estrada de péssimo rípio (o cascalho deles), a mais de 100 km/h, com direito a quase uma colisão... chegamos primeiro... Ainda madrugada, em torno de 4:30 h, temperatura 10 graus negativos!!!!!!! Pra quê? Para pegar as fumarolas, isto é, para ver o vapor da água fervente que sai do chão subindo a metros de altura; estávamos em cima de uma fissura da crosta; a água sob pressão sobe pela rocha e ganha temperatura por causa do atrito; o fenômeno fica quase invisível quando o sol vai subindo e com ele a temperatura ambiente




Rapa Nui estava ali, ajudando como podia




Depois da água fria do dia anterior, nenhum de nós motociclistas topou a piscina de água quente... mas tinha gringo muito feliz por ali...


Sol mais alto, hora de continuar o passeio e adentrar o deserto, deixando El Tatio para trás


Ainda muito frio, não acreditávamos que o sol não nos esquentasse; as vicunhas, parece, não se importavam com a baixa temperatura


Os caminhos variados do deserto...



Caminhos também percorridos pela solitária nhandu, a nossa ema, ou "suri", na língua Quechua



Depois de muita trepidação, chegamos, finalmente, na Laguna Chaxa, onde vimos os primeiros flamingos; percebam, também, que os flamingos parecem caminhar por sobre a água... A temperatura não estava mais abaixo de zero, mas a água, com a ajuda do sal, estava com a superfície congelada




Vulcões por toda a parte; só em volta de San Pedro são sessenta...


Os flamingos, patinando...

E nós, refletindo sobre a imensidão


Mais vicunhas... Alguém notou que sempre são duas ou três... Seriam as mesmas?



As Lhamas são domesticadas, como o gado bovino, e são criadas nos vales-oásis onde se encontra algum pequeno curso d'água





Poucos habitantes em raros povoados, sempre à espera de turístas




O passeio continuou para o Valle de los Cactus, acompanhando aquele pequeno curso d'água, onde vimos... los cardones crescendo entre rochas







"Conoce Atacama: donde florece el desierto" (slogan de campanha institucional vista em Copiapó, nada mais apropriado...)



Terminado o passeio logo depois do meio-dia, almoçamos na cidade, trocamos de roupa e seguimos para novo percurso: Valle de la Muerte, assim conhecido pela grande dificuldade de travessia vivenciada por tropeiros e comitivas
















A vida certamente não era fácil, se considerármos que não havia outro caminho, mas o lugar, sem o perigo do passado, é extraordinário; penhascos, rochas, areia, cores, texturas...



E dunas...







E como se faz para descer lá de cima? Claro, vamos correr pela dunas...



Chegamos? Nada disso. Vamos para o segundo "lance" de dunas a baixo...



Quinze minutos de descida depois, vamos percorrer os caminhos dos tropeiros




Em seguida, já na van da agência Cosmos, passamos pelo mirante para observar ao longe o relevo da região e a Cordilheira de la Sal, para, enfim, alcançar o famoso Valle de la Luna, leito de um rio seco há centenas de anos, e onde existia, até 1995, uma mina de sal; as paredes são feitas de terra e cristais de sal; ficam estalando o tempo todo por causa dilatação que as mudanças de temperatura geram




O lugar parece instável... perigoso até, mas garantiram que não havia risco de desmoronamento; como estávamos com Rapa Nui, não tivemos problema



Mais adiante, no mesmo Valle de la Luna, a formação rochosa denominada El Anfiteatro; a paisagem parecia ser do planeta Marte, no imaginário mais atual



Mais dunas; nestas, porém, era proibido caminhar. Já íamos esquecendo de dizer que a maioria das atrações está situada em parques ecológicos ou naturais, com cobrança de ingresso, sendo, portanto, vigiada e protegida



"Subam naquela pedra e esperem para ver o por do sol!" Lá fomos nós...



O lugar é tão extraordinário que resolvemos registrar a nossa presença ali em cima


À medida em que o sol se punha, as cores do Valle de la Luna iam se alterando






Não estávamos sozinhos, mas dali de cima conseguíamos ver todo o Valle




E mais outros turistas estavam chegando, a despeito do frio e do forte vento, ou indo embora



Até que o sol se pôs e o frio aumentou drasticamente



Logo no início da descida, percebemos que o crepúsculo destacava a cordilheira dos Andes e o vulcão Licancabur (classificado como um vulcão adulto e futuro, isto é, que nunca entrou em erupção, mas que está pronto para tal...)



Em que pese longe das motocicletas, a atividade era intensa. Na manhã seguinte, dia 29 de novembro de 2010, desde as 7 horas, a Cosmo e o guia Oscar nos levaram para o passeio denominado de "Lagunas Altiplánicas", mas começamos pelo Salar del Atacama, outro parque natural muito interessante.




Ali os flamingos são estudados; existe uma reserva nacional para essas aves



Os flamingos são brancos; ficam da cor rosa por se alimentarem do camarãozinho chamado Krill, saturando-se de caroteno; aqueles com penas pretas no rabo são os flamingos andinos, que ocorrem na região junto com os flamingos chilenos e os flamingos de James






Ali tomamos café da manhã...


Protegidos do sol e com essa vista privilegiada






Seguimos, então, para o altiplano, no caminho do Paso Sico, estrada bem conhecida pelos motociclistas do rípio, passando antes pelo povoado de Socaire, que preserva a técnica inca de irrigação e cultivo



Deixamos a estrada e entramos em outro parque natural, onde conhecemos a Laguna Miscante e sua irmã menor, a Laguna Miñiques, berçário de flamingos; tais porções de água estão situadas aos pés de montes ou cerros que levam o mesmo nome e que, na verdade, são vulcões; havia uma só laguna até que a erupção de um dos vulcões dividiu-as em duas



O guia Oscar informou-nos que a água dessas duas lagunas era doce, diferentemente das outras que tinham água salgada






O branco das margens, obviamente, não é sal, mas sim alguma coisa como cálcio ou calcário; ali vemos mais vicunhas, flamingos e outros animais






Pé na estrada, de novo, rumo ao Salar de Talar, no mesmo sentido do Paso Sico; animados pela possibilidade de conhecer o Paso famoso, nada no mundo podia nos preparar para o que iríamos ver nas próximas horas




As fotos reproduzem as cores extraordinárias, capturam o conjunto, mas não demonstram a dimensão daquele fenômeno plástico...




Estaríamos em outro planeta? Ou em outra dimensão?






Altitude, frio intenso, vento cortante... e aquela paisagem escaldante, calcinante, ácida, mas absolutamente gelada e inacreditável; rir ou chorar... qualquer sentimento ali tem a natureza como justificativa



Cerros multicoloridos, pedras vermelhas, água verde, praias brancas...






O ser humano, pequenino, só observa







As rochas vermelhas passam a ser brancas; a praia não tem areia... é sal








Os vulcões à espreita, no rápido caminho que seguíamos



Ainda, a nossa pequenez... Não podíamos parar mais que alguns segundos; o vento aumentava a sensação de frio; éramos como visitantes indesejados; convidados, gentilmente, a sair dali; a natureza estava definindo os limites da nossa presença



A equipe da agência Cosmo, que nos havia deixado no início do Salar de Talar para a média caminhada, nos esperava no ponto extremo, junto às rochas, num lugar protegido das rajadas fortes de vento, onde iríamos almoçar



Por mais condições que tivéssemos, o nosso lugar estava delimitado; almoçamos praticamente em silêncio, cada qual com sua reflexão; para nós, ali, repelidos pela natureza, que se permitia vislumbrar de longe, tivemos mais uma vez a certeza da existência de Deus



Apesar da distância, o retorno foi rápido; passamos pela cidade de Toconao, vimos outras atrações, mas nada se compararia ao episódio dos lagos no altiplano.


Poderíamos parar por aqui, mas, no caminho para San Pedro, o guia Oscar nos informa que a construção fotografada (esta foto foi tirada pela Sra. Stardust, como a grande maioria das aqui postadas, e não sofreu qualquer tipo de alteração) era uma base de estudos e observação astronômicos, do projeto conhecido pela sigla ALMA (http://www.almaobservatory.org/), patrocinado pelo Chile, com cooperação da Europa, América do Norte e Ásia Oriental; resta saber quem observa quem...




Já na cidade, enquanto aguardávamos a chegada de nossos companheiros do segundo grupo do "Soy Loco", fizemos alguns registros de detalhes arquitetônicos




De turistas argentinos, a motocicleta retrô da marca Royal Enfield



De las calles e sus tiendas



Até que, à noite, reunimo-nos todos para a cena



E, na manhã do dia 30 de novembro de 2010, depois de arrumarmos as malas,





E registrar a fachada dos hotéis onde nos hospedamos,



Posamos todos para essa que poderia ser uma foto oficial do passeio, com destaque para o muro tipicamente atacameno






Assim que pudermos, postamos outros pontos interessantes da viagem e a história de nosso retorno.